sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Os quatro regionalismos



 
Por Ricardo Carvalhal.

Jornal “A Nossa Terra” 10 de Maio de 1917


Ricardo Carvalhal foi um dos mais ativos redatores do semanário A Nossa Terra desde a sua fundação em 1916 e até 1918. Começou escrevendo peças de opinião e a partir do número sete publicou também os seus "Contos do Pobo". Textos que pela sua qualidade literária e imaginação bem merecem atenção e resgate do esquecimento histórico.
"De min pra vós" foi o título da seção onde apareceram os contos de Carvalhal desde o ano 1917.
Para além deste volume póstumo, o autor publicou um único livro em 1919 titulado "O secreto acobillado", editado na Crunha pelo jornal "El Noroeste" no suplemento "Terra a Nosa!"
A dia de hoje decidimos publicar este texto do autor que nos ocupa tirado da ediçao do Jornal A Nossa Terra de 10 de Maio de 1917. As suas palavras são fortes em alguns momentos, de tal forma que a dia de hoje alguns parágrafos seriam politicamente incorretos de muitos pontos de vista mas decidimos publicar porque vimos uma ideia básica que ainda hoje está na atualidade como é a de dividir os galegos em quatro classes de pessoas segundo a sua visão e atitude a respeito da Galiza: os parvistas, os centralistas, os libertistas e os nacionalistas são os tipos que ainda hoje podemos distinguir no nosso País. Talvez esses quatro grupos evoluíram e acabaram refinando-se de tal forma que hoje parecem mais "normais" mas independentemente da sua denominação e atitude social e política continuam a existir. Rogamos obviem os conceitos patriarcais e machistas que ele manifesta e mais algum outro a ver com termos como "raça" e cousas parecidas por outra parte bastante comuns na época que lhe tocou viver e portanto fruto da sua educação decimonónica. Esqueçam as diferença temporais (todo o mundo criticou aos seus pais ou avôs por estarem ultrapassados e fora da moda) e extraiam o fundamental da mensagem porque é de tremenda atualidade.
O texto originariamente estava escrito com uma grafia e uma morfossintaxe própria da Galiza dos começos do século XX, afastada da sua origem galego-portuguesa e próxima ao castelhano, língua oficial da Galiza na altura, cuja norma conheciam aqueles autores galegos por estarem alfabetizados nela ainda que os seus usos habituais fossem no seu português galego nativo. Nós, transliteramos o artigo àquilo que os lusófonos de hoje percebemos como a nossa ortografia e à nossa morfossintaxe, históricas e próprias. Se conservarmos o original, o artigo viraria de dificultosa leitura e compreensão para quase 300.000.000 de pessoas em todo o mundo. Deste jeito, sem deixar de ser galego nem perder o seu sabor natural e espontâneo pode chegar a todo um mundo que fala a mesma língua do que nós, galegos.



 
Desde que o regionalismo tomou cartas de natureza na Nossa Terra, surgiram quatro jeitos de regionalistas: parvistas, centralistas, libertistas e nacionalistas. Se não os conheceis, vamos vo-los apresentar:



Parvistas:

São a força maior, mas a sua força é passiva, dormida, morta, inútil para o bem e para ao mal. Força que constitui a nossa juventude falta de fé e de crença, pela que se passa a vida, insensivelmente, como se passa pelas penas baixas da costa a rompente do mar.

Se lerem, não o fazem por apreenderem, pois estão faltos de senso comum para isso; lêem os filósofos para depois nomeando-os na conversa ou nos escritos, adquirirem uma miúda camada de verniz de falsa cultura.

São os eternos escravos do “diz bem”. Se algum dos pro-homens a quem olham de joelhos -não porque defenda o ideal X ou Y mas por ser um chefe ou um caudilho- o viram comendo canhotos -que alguns comem às ocultas- pela rua, tende por certo que os labregos achariam uma funda riqueza na venda do que agora queimam por não servir para outra cousa. Têm o mundo por um gigantesco cenário onde há que brilhar e ter luz, ainda que este seja como a dos fogos-fátuos que sendo luz não alumia e sendo fogo não aquece.

Para eles pertencerem a um grupo de idealistas, precisam ver na longínqua um cargo de brilho ou um emprego de estronício. Os ideais em que não há próximos frutos onde o labor é anónimo e faz falta fé e constância sem ter em prémio nem uma só e triste gabança, não serve para eles. São por ser, não são porque o são.


Centralistas:

Os verdadeiros regionalistas de folclore. Não são ativos nem passivos: não são nada. Gabam em castelhano a formosura do nosso idioma e a doçura dos nossos cantos porque o ouviram dizer, não porque o sintam nem o compreendam. Nasceram aqui, como puderam nascer no Egito, na China ou no Congo, pois esta classe de homens sem vontade, são fenómenos com os que a sabia natureza quebra o conjunto viril duma raça.

Para eles não há outro ideal do que as cousas feitas. Acharam feito o centralismo e centralistas são. Se nasceram escravos, seguiriam-no sendo, não como a mansedume do boi que guiado por cativo rapaz é que o segue aonde aquele o levar, sem se lembrar que com ......  (incompreensível no texto original) dondamente  chega-lhe, não com a força que tem, mas só com o peso do seu corpo para desfazer-se dele com um singelo tirão da corda.

São os pobres de espírito que vivem da esmola que lhes dão. A palavra rebeldia não a têm no seu dicionário. Onde os põem... ficam.

Eles vão chegar às filas do nacionalismo quando o nacionalismo esteja feito. São homens a dispor de menos serviços do que os calendários da parede, pois enquanto estes têm uma folha para cada dia, eles só dispõem em troca de uma folha para todo o ano: a das múmias. 


 
 Libertistas:

Pássaros de conta. Escravos ao fim, acostumados à tralha do dono e que tendo pujos para se redimirem e serem livres, querem dar um pulo até ficarem em libertos, para não achar de menos a influência do dono.

Pregoam um regionalismo com certas traças nacionalistas. Regionalismo que há que conseguir -segundo eles- sem estridências de linguagem, com nojenta humildade, com panos quentes. Aconselham temperança por rebeldia, agarimos por ódios e silencio por berros, como se de este jeito chegássemos a conseguir o mais pequeno adianto para a Nossa Terra, ou como se isso não fosse o que se veio fazendo até agora.

A Nossa Língua para eles é letra morta. Querem a Galiza em castelhano e ao cantarem-lhe os seus quereres, só fazem dedicar-lhe em cada agarimo uma poutada e em cada gabança uma ultraje.

Fitam a Galiza pelo cristal de Castela e acham-na formosa sem lhe verem a pobreza e valente sem lhe verem humildade. Lembram-se de Castela para esquecer-se da Lusitânia. São tão maus e desleixados filhos que odeiam à irmã de raça para dedicar-lhe os amores à madrasta. São suas aspirações: ajoelhando-se e arrastando-se, conseguir um anaco (Anaco2) de liberdade para chegarem a libertos.




Somo-lo nós. Os bons e generosos que empregamos o nosso idioma numa prosa baril e ergueita que os que não a perceberam não souberam fazer. Temos poetas e também não choram: berram! Cabanilhas, Rodrigues Gonçales, Taibo, Lopez Abente e mais alguns que estão connosco, falam da terra assovalhada para pedirem justiça e das injúrias para pedir vingança. São poetas nacionalistas dos que não choram nem se laiam como fêmeas. Seguem a escola de Curros e Pondal, os visionistas, os que mantiveram aceso através duma época de poetas chorões e de homens castrados, o agarimo à pátria.

Temos fé na luta e esperança no porvir da Nação galega. Somos os rebeldes, os que ignoramos a humildade, os que empregamos estridências de linguagem, os que predicamos ódios para recolhermos tempestades e que elas caiam sobre os culpados do nosso assovalhamento. Somos os guardadores da tradição da nossa raça, o pequeno feixe de enxebres (significados 7, 13 e 14) que hão de dar exemplo às consciências dormidas dos nossos irmãos. Os que achamos que o sacrificar-nos pela pátria é um dever e lutar pela liberdade é um direito. Ou galegos ou nada!!




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